quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Expectativa da realidade


Tudo o que eu queria era chegar no meu quarto, deitar na minha cama e assistir os episódios daquela série antes de dormir. Do trabalho pra casa eu gasto cerca de meia hora e hoje cada minutinho daquele parecia dobrado, como se a velocidade do mundo estivesse reduzida. Aqui dentro o relógio seguia em sentido inverso – acelerado e impaciente ansiando pelo aconchego do lar. Pensava sobre aquela pergunta, tema proposto por um amigo como sugestão para uma crônica: amar é uma expectativa ou realidade? Ah, o amor...

Naquele momento o meu amor estava entre quatro paredes, respirando pela única janela que consegue fazer de um muro a vista mais linda num dia como o de hoje. Até uns minutos atrás o amor me era apenas uma expectativa, assombrada por um tempo que andava a passos de tartaruga. Era como aquele dia, véspera de aniversários, primeiros encontros e encontros marcados com “preciso conversar com você” como convite: você espera que aquela pessoa lembre de lhe dar parabéns, que venham outros encontros e que aquela conversa faça de “você” um noivo e não ex-namorado.

Meu aniversário é só daqui uns dias, sem primeiro encontro não posso ter outros e não namoro ninguém para estar na espera de um pedido de noivado. Mas eu senti amor tão logo respirei e o ar denunciava que aquele ambiente pertencia a um fumante: agora que estava em meu quarto a expectativa daquele amor se fizera realidade. Então eu me dei conta: amor não pode ser expectativa sem ser realidade, ainda que possa ser esta sem a outra – e, aliás, é bom demais perceber-se amando e amado sem que estivesse esperando por isso.

Mas ninguém pode fazer do amor uma expectativa sem tê-lo sentido. Amar só pode ser expectativa para quem nunca amou. E, tal qual mais de dez anos atrás, continuo a acreditar no seguinte: é meio – o que abre margem para as costumeiras exceções às regras – impossível morrer sem nunca ter amado, porque, mesmo que digam que não, a primeira troca de olhar com a mãe na hora do nascimento é um gesto de amor. Talvez a expectativa seja por sentir aquilo de novo, mas ainda assim uma expectativa inconscientemente agraciada pela realidade.

Amar ser expectativa é como ter um sonho encantador com alguém que, acordado, você nunca viu na vida: por mais linda que seja a história, é triste tê-la em sonho e não na lembrança. Amor ser expectativa é como, depois de uma noite mal dormida e assombrada por pesadelos, receber café da manhã na cama de alguém que não se importa em dar-lhe o primeiro beijo do dia antes mesmo que a escova de dentes o faça. Amar ser realidade torna possível a transformação do amor em expectativa. E não há expectativa mais reconfortante que a de saber que aquele amor é realidade.

sábado, 22 de agosto de 2015

Foi sem querer

 

Se tem uma coisa que eu acredito nessa vida é que história mal resolvida é história sem fim. Resta saber se uma história pode ser mal resolvida para apenas um dos lados, tal qual aquela nossa primeira vez – inesquecível pra mim, mas completamente descartável no dia seguinte quando aparentemente você não lembrava exatamente do que acontecera. Mas eu te perdoei por ter me sentido a azeitona jogada em meio aos pratinhos e garfos de plásticos sujos de patê já azedo da festa anterior. E guardei cada beijo que eu quis dar enquanto estávamos sozinhos. Cada jogada na parede que eu quis te dar enquanto a música te fazia dançar daquele jeito que, talvez apenas ao meu ver, era tão sensual. Guardei todos os cafunés que quis fazer na sua cabeça enquanto assistíamos filme para curar ressaca nos dias seguintes àqueles quando tudo o que eu mais queria era que no fim da noite os príncipes se beijassem e fossem felizes para sempre.

Mas entre nós existe realmente um nó que eu não consigo desatar. Um nó chamado “e se...” que me amarra a você de um jeito tão forte que dói muito menos, mas todos os dias, e que poderia doer muito mais, mas de uma vez só. Foi sem querer, eu juro! Foi sem querer que eu te quis quando você ainda pertencia a outro alguém. Foi sem querer a intensidade daquele sentimento na primeira vez em que eu te tive em meus braços. Foi sem querer a ansiedade que me fez encher teu celular de ligações na segunda vez em que senti teus lábios. Foi sem querer que a lembrança da terceira e última vez em que eu te tive pra mim permaneceu tão nítida na minha memória mesmo eu estando completamente fora do meu estado normal. E foi sem querer que esse sentimento estranho invadiu meu corpo por inteiro e me faz sentir como que agarrado a algo esperando ser percebido, mas com medo de, ao sê-lo, ser enxotado como se um ácaro fosse naquela camisa velha e rasgada guardada no fundo do armário. E se...

Carta a um sem caráter


Você é mentiroso. Nem chega a ver o que quer e enxerga a direção dos teus olhos com um véu onde projeta sua própria vergonha - por ser e sentir-se como um verme - sobre aquilo que lhe causa inveja. Corrompe os limites intrínsecos às primeiras impressões porque acha que consegue ser contagioso o bastante para se fazer um herói às custas de batalhas alheias, que dizem respeito única e exclusivamente àqueles que delas fazem parte. Você poderia transformar em livros suas histórias, mas prefere fazer sucesso baseando-se em fatos reais que nunca aconteceram de verdade. E você sabe disso. Você mente. Não há caráter na mentira.

Você é falso. Não como todos precisam ser no dia-a-dia pelas regras da boa convivência. Você não zela pelas regras da boa convivência, diga-se de passagem. Você usurpa delas como mecanismo para expressar saudades, reações e quaisquer outros artifícios capazes de lhe assegurar empatia e para que outros se assegurem à sincera, prestativa e confiante pessoa que você insiste em tentar parecer. Você tenta, mas a mim nunca enganou. Se não tivessem sido as experiências que vivi seriam os avisos que recebi. É que outros também sabem disso: você é falso. Não há caráter na falsidade.

Você é desonesto. Se aproveita de qualquer um que parecer mais vulnerável que você – o que por vezes é bem difícil, afinal essa autoconfiança que você exala é tipo perfume cujo cheiro só dura o tempo suficiente para que o comprador seja ludibriado sem perceber. Você se expõe acreditando ser capaz de chocar os alheios aos seus pensamentos, no entanto guarda pra si todas as inseguranças que te atormentam, porque no seu mundo perfeito foder é mais importante que amar – entendível para alguém que, além de não ser mais amado, não se ama. Ninguém te ama mais porque você não foi honesto quando te deram amor. Você é desonesto, oras. E não há caráter na desonestidade.

Você é estúpido. Usa a estupidez como forma de ataque, mas insiste em tentar justificá-la como mecanismo de defesa ante aqueles que você acusa de te julgarem inferior. No entanto ela não é nem um nem outro. Ser estúpido faz parte da sua essência, tal qual aqueles ingredientes insubstituíveis de uma receita, afinal você não é você se não for estúpido. Foi a sua estupidez que me chamou atenção tão logo nos conhecemos. Ninguém precisa agradar ninguém, mas ninguém também tem o direito de fazer teatro com aquilo que desagrada no outro. Ninguém – exceto pessoas de um tipo como o seu – gosta de ser plateia da humilhação alheia. Você humilha o outro para fazê-lo parecer menor que você, fingindo não perceber que isso te faz estúpido. E não há caráter na estupidez.

Você é preconceituoso. Enche a boca de palavras de repúdio enquanto aponta o dedo para todos aqueles que acredita estarem encarando o mundo mascarados, como se acima do pescoço sua pele fosse tão limpa quanto a alma de um recém-nascido. Você talvez tenha esquecido que no decorrer dos anos era preciso cuidar de si mesmo, purificar-se e dar mais atenção àquilo que lhe dizia respeito. Era preciso enveredar por caminhos em busca do seu próprio bem-estar, não envaidar-se por acreditar que ser diferente é sinônimo de ser melhor. Você não é melhor que ninguém. Não esqueça: não há como nos sabermos melhor que algo que não vivemos ou sequer conhecemos - como a vida de uma outra pessoa. É feio julgar o desconhecido. Isso é preconceito. Não há caráter no preconceito.

Você é mau-caráter, todos sabemos: você, eu, quem não te ama mais e, pode ter certeza, quem quer que venha te amar um pouquinho vai logo perceber. Talvez tenham esquecido de te avisar no começo do caminho: esse “mau” é sinônimo de “sem”, porque o caráter não permuta entre o bem e o mal. Tem pessoas que tem e tem pessoas que não tem. Felizmente estas últimas estão em quantidade inferior, porque gente como você, com o passar do tempo, passa a não mais existir – pode demorar muito, mas me conforta saber que antes tarde do que nunca. Não há caráter em você. Ele foi embora junto com aquela alma que partiu e te fez existir como uma desimportante carcaça, parasita inescrupuloso e carente de extinção.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

O que eu sou



É adolescente. Inconsequente, sabe? Se joga na vida e vira do avesso o que antes parecia feito sem costura. Como se ganhasse a loteria da virada de ano e, sem mala e sem cuia, partisse naquela viagem dos sonhos até Veneza. É adulto com alma infantil. Sorri com o sorriso, ciente que o tipo de sorriso pode não ser o mesmo de querer e poder, e fica no achismo de que ninguém lhe sorri.

Divagava em pensamentos de saudade do que poderia ter sido, do que tinha medo de não ser e do que alguns anos à frente iriam dizer. Criava filme na memória sem cena gravada, porque era bom demais poder ver futuro naquilo que ainda nem acreditava ser presente.

- Tá dormindo?
- Tô sonhando. Imaginar é a forma que Deus encontrou de nos fazer sonhar acordados.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Além do horizonte


Nos encontros e desencontros dessa vida, me perdi e me encontrei em você. Olhei pra você de cima do pedestal e me senti absurdamente correto em dizer-te que era menos do que eu. Se assim fosse, você não voltaria. Mas faz parte do show, faz parte do enredo da escola de samba que nunca desfilou no sambódromo: o esquecimento. Que nunca existiu. E por mais que eu tentasse, e por mais que eu tivesse certeza que tinha conseguido, no palco da vida - essa peça de teatro que só acaba com a morte, não com finais felizes - eu descobri que a atriz principal era você. O coadjuvante era eu. E aquele pedestal com a qual eu pude me dizer superior, na realidade era você. Olhar o horizonte sem fim não traz nosso próprio encontro, porque não nos vemos, não vemos e nem veremos o que queremos ver. E só então eu pude perceber que o horizonte sem fim que me encantava não se comparava ao encanto que eu sentia por aquelas mãos que me seguravam. Aí já era tarde. Você já não estava mais. Em seu lugar, uma escada. Em meu lugar, a metade de um coração. Me desencontrei. E você se desencontrou de mim,

domingo, 9 de agosto de 2015

O que nunca falta


Quando criança eu sentia inveja de alguns coleguinhas da escola. Pode parecer injusto da minha parte dizer isso sobre os sentimentos de um garotinho, mas era bem isso mesmo. Não tem outra palavra pra descrever o que eu sentia quando avistava o pai de um buscando-o na hora da saída; ou quando passava a tarde na casa de outro e via aquele abraço caloroso dele com o pai quando este chegava do trabalho às seis; ou na festinha de dia dos pais que eu era um dos únicos alunos cujo presente só era entregue depois que eu chegava em casa. Por diversas vezes eu invejei aquela relação entre pais e filhos que não tinham medo deles como eu tinha do meu. 

Lembro que desisti de diversos quereres porque tinham essas vezes que minha mãe dizia para eu pedir pra ele, porque aquela vontade minha carecia da autorização de ambos. “Você não pode ter medo do seu pai” ela me dizia e lá saía eu do quarto, dando início a um vai e vem pelo corredor que, sabe-se lá quantas vezes, terminou sem que eu ultrapassasse os limites para chegar à sala onde ele assistia tevê. Eu tinha medo do meu pai, não porque ele transparecesse maldade, mas porque uma das únicas certezas que eu tinha naqueles poucos anos de vida era que ele me diria não. O “não” da minha mãe era discutível, pingo d’água passível de nó, porque, aos meus olhos de criança, ela era doce mesmo sendo chata. Meu pai não.

Meu pai sempre teve a cara mais sisuda, se incomodava com barulho e eu nunca dormi na casa de nenhum coleguinha porque esse pedido era um daqueles que limitavam meu vai e vem no corredor. Eu tenho certeza, como dois e dois são quatro, que ele diria não. Minha mãe sempre disse não, imagine meu pai. Ainda assim, tenho ótimas recordações de fins de semana em família na piscina de casa, quando, entre uma cerveja e outra, meu pai parecia finalmente ser o mesmo pai que meus irmãos haviam tido na infância e que eu tanto me questionava onde estava quando via aquelas fotografias antigas. Será que o problema era comigo? Será que meu pai não gostava de mim o mesmo tanto que gostava deles?

O fato é que meu pai já era quarentão quando eu nasci. Vim ao mundo dez anos depois da minha irmã mais nova, o que já seria um intervalo suficiente para justificar certa indisposição para criar um recém-nascido. E ele trabalhava das oito às doze, das duas às seis. Nossos encontros à mesa quase sempre eram silenciosos: de manhã ele tomava aquele xarope de guaraná enquanto eu não tirava os olhos da tevê, espectador dos desenhos matinais; almoçávamos juntos, ele sempre sentado na cadeira de cabeceira da mesa, e eu consigo lembrar de como ele cortava a comida no prato e misturava tudo antes de comer, mas não do que chegamos a conversar; o jantar era a única refeição em que não dividíamos a mesa, porque criança dorme cedo e minha mãe preparava a janta dele já tarde da noite.

O tempo passou, eu cresci e durante a adolescência eu ainda tinha aquele medo, agora intensificado pela vergonha que eu tinha de me permitir falar com ele sobre amor. Nunca foi costume nosso a troca de afeto tal qual tínhamos eu e minha mãe, porque, na realidade, falar sobre sentimento era uma das poucas coisas que meu pai não fazia. E foi justamente por isso que eu passei a vê-lo com outros olhos alguns anos depois: percebi que não fazer era uma coisa, não saber fazer era outra. Foi só adulto que eu compreendi quantas vezes meu pai foi afetuoso comigo, não do jeito que eu quis, mas do jeito que ele conseguiu ser.

Eu não perdi o medo dele. Espero, de todo coração, que eu nunca o perca. Porque depois que a gente cresce acaba percebendo que o medo, na verdade, é respeito. O meu pai nunca foi um monstro. Ele era apenas o meu pai, fazendo valer sua autoridade ante minha ingenuidade e meus caprichos. Não fosse aquele medo eu poderia ser só mais um desses que estão soltos pelo mundo sem saber que direção seguir. Eu talvez não tenha seguido o caminho almejado por ele para mim, mas uma coisa é certa: o caminho que eu segui tem ele como meu primeiro guia, porque eu posso ter ouvido – e deixado de ouvir nas vezes que fiquei só no corredor – uma quantidade infinita de “nãos”, mas aquele eterno “sim” para os livros vale por uma vida inteira. O caminho que eu segui pode ser diferente, mas é nele que está o que eu e meu pai mais temos em comum: o amor pelas palavras.

A escrita talvez seja o tal dom que Deus costuma adicionar como ingrediente especial em cada um de nós antes e nascer, mas o gosto pela leitura foi meu pai quem fez brotar aqui dentro. Um bom leitor não carece da escrita para o ser. Mas para ser um bom escritor a leitura é requisito obrigatório. Meu pai, no fim das contas, fosse como fosse tantos anos atrás, é o melhor pai do mundo. Nós nunca fomos muito de conversar, nunca fomos de demonstrar afeto um pelo outro, mas eu não mudaria mais nada na nossa história. Porque o mais importante é que, com todas as nossas diferenças, e talvez ele nem saiba disso, ele está na minha lembrança como uma das pessoas que salvou minha vida.

Perdi as contas de quantas vezes saí de uma livraria com mais de um livro na sacola, satisfeito por saber que aquele gasto na fatura do cartão não seria motivo de repreensão. Perdi as contas de quantas vezes a escrita me trouxe de volta ou fez flutuar quando eu achava que não tinha mais chão para caminhar. Perdi as contas de quantas vezes eu quis ter meu pai num lugar em que ele não estava, mas hoje eu sei que ele sempre esteve. Ele sempre está, na verdade. E uma das certezas que eu tenho hoje é que ele nunca irá me faltar.

sábado, 8 de agosto de 2015

Quando esgota



É a última vez que te escrevo, espero. Até me dói falar isso, mas dói de mágoa não de decepção, como eu até, sinceramente, esperava que fosse. Porque a decepção vem junto com o sofrimento, já me é calejada e é uma das coisas com que me conformei a esperar dos outros. Mágoa não. Mágoa tem mais a ver com tristeza do que com sofrimento. Mágoa é uma das coisas que eu espero, sim, dos outros, mas que não esperava de você. Vou te contar porque, ainda que não valha de nada minhas palavras. Vou contar por quê, porque prefiro sofrer e aprender do que ficar triste e me desprender. É por isso, mais ainda, que me dói falar isso. Esse tipo de tristeza que se exterioriza da mágoa é aquela mesma que toma conta da gente quando acabamos por nos despedir daquilo que não queremos, mas precisamos porque não nos faz bem.

Essa tristeza que me toma conta – e que só hoje eu fui capaz de perceber o quanto precisava por pra fora pra que saísse aqui de dentro e fosse definitivamente embora – poderia advir do fato de eu ainda não ter aceitado esse jeito bem escroto com que você não sabe demonstrar que se importa. Quisera fosse isso, por mais idiota que possa parecer. Mas é que até isso seria melhor que a dura realidade de ela ser consequência da percepção que há anos me persegue e eu nunca quis dar ouvidos: você, na verdade, não se importa. É a última vez que te escrevo, espero. E pode me doer falar isso, mas sabe aquela dor que junto a ela traz alívio? Não? É que talvez você nunca tenha sentido doer o amor como eu senti. Talvez você nunca tenha sentido a dor de um amor como eu senti.

Eu nunca implorei o seu e lhe dei o meu de graça desde a primeira vez em que me percebi te amando enquanto o que menos me sentia era amado. Eu nunca te pedi um pedido de desculpas e as poucas vezes em que te ouvi pedi-las pra mim nada mais era que a reação à impossibilidade de, naquele momento, me faltar com a verdade. E, enquanto for amor o sentimento que define aquilo que eu sinto por você, eu continuarei sendo o mesmo cara, visto aos olhos alheios como trouxa, idiota, otário e demais palavras sinônimas. A paixão foi embora, o amor permaneceu. Eu te amo como amo todos aqueles que quero do meu lado. Mas eu senti mágoa. E a tristeza, vez ou outra, dribla a cristalização do amor para fazer dele uma mera lembrança de quem, na realidade, nunca foi quem nós acreditávamos ter sido.

É a última vez que te escrevo, espero. E a dor por tentar fazer disso uma afirmação irrefutável só não é maior do que aquela de me obrigar a aceitar que, além de pouquíssimas vezes ter sido respeitado enquanto estava ao teu lado, a consideração que eu fiz questão de ter por você e por tudo o que com você eu aprendi – e essa parte eu espero, sinceramente, nunca esquecer – não significou nada. É a última vez que te escrevo, espero. Mas não se preocupe, porque mal eu não irei falar de você. Eu não fiz apenas questão de ter. Eu – ainda – tenho consideração por você, mesmo não sendo por você considerado. Talvez eu acabe dia ou outro escrevendo sobre você, sobre nós, sobre as inúmeras coisas que eu só vivi ao seu lado. Mas, assim, dirigido a você, eu devo respeito ao meu amor próprio para não fazer. É a última vez que te escrevo, eu espero. Assim como esperei nunca mais voltar pra você.

Você sabe: eu nunca voltei. E essa é a última vez que te escrevo.